quarta-feira, 24 de março de 2010

Financiamento para o desporto escolar

Após ter abordado algumas semanas atrás a relação existente (ou a falta dela) entre o desporto na escola e o desporto no clube, hoje prefiro abordar uma área sensível comum a toda e qualquer actividade (desportiva, cultural, social, entre outras) realizada em Portugal: o financiamento. E chamo-lhe área sensível pois a realização e a não realização de muitas actividades está, simplesmente, dependente deste “pormaior”: o financiamento.

Em Portugal, o Estado garante apoios às escolas para a prática desportiva dos jovens e garante o mesmo ao movimento associativo desportivo e, ainda, garante às autarquias para os mesmos destinatários. Este modelo de tal modo envolvente paralisa o jovem ficando sem saber qual a oferta a escolher. Talvez encontremos aqui a justificação para o fraco rácio de participação desportiva dos portugueses. É fácil entender qual o resultado da pulverização na distribuição dos recursos: todos ficam satisfeitos porque foram contemplados, ninguém consegue ser verdadeiramente eficaz com a reduzida parte que lhe coube (Guimarães, 2005). Como refere o autor, para uma mesma actividade, o Estado garante apoio através de 3 “canais” diferentes: escola, clubes e autarquias. Se a isto ainda acrescentarmos que as autarquias ajudam os clubes e até as escolas, vemos que o dinheiro anda distribuído, mas mal.

Guimarães (2005) refere ainda que por via das opções estratégicas relativas à contenção da despesa pública, a Escola está, actualmente, bastante fragilizada e debate-se com muitas dificuldades para cumprir a sua missão. Naturalmente, o Desporto Escolar reflecte estas dificuldades nas escolas devido à incerteza associada ao desenvolvimento das actividades. Certamente, todos os presentes que trabalham diariamente nas escolas percebem como é difícil organizar um projecto sem orçamento, em participar em iniciativas sem a garantia de retorno das despesas efectuadas e sem previsão dos seus montantes. Mas é assim que funciona. A aflição é grande porém, o Governo elaborou um programa do Desporto Escolar até 2013, mesmo sem saber qual o orçamento com que pode contar no final de cada ano. E porque as receitas para as actividades do Desporto Escolar advêm do jogo social, são por isso de natureza incerta. As receitas provenientes de jogo social não são configuráveis com uma actividade educativa permanente que requer recursos estáveis e objectivos. Normalmente, a opção das escolas é a de manter as actividades previstas com base no anterior para não gorar as expectativas dos alunos, mesmo à custa da qualidade em que essas actividades decorrem. Nenhum modelo de desenvolvimento deveria assentar numa base como esta, de incerteza de fiabilidade de execução.

Assim, em termos objectivos, o financiamento é efectuado através do orçamento privativo do Desporto Escolar, resultante das verbas que provêm da distribuição dos lucros dos jogos sociais atribuídos à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Actualmente, a repartição dos lucros provenientes dos jogos de lotaria (Totobola, Totoloto e EuroMilhões), estima que cerca de 10,5% dos lucros anuais (cerca de 50 milhões de Euros) sejam destinados ao Desporto. Deste montante, cerca de 6 milhões de euros destinam-se a apoio concreto ao Desporto Escolar. O financiamento faz-se de acordo com o Projecto de Desporto Escolar e quadros competitivos em que as equipas estão inseridas. Este financiamento, dado às escolas, é apenas um apoio, não podendo cobrir todas as despesas efectuadas e destina-se sobretudo ao apoio nas despesas com transportes

REFERÊNCIAS:

  1. Em jeito de conclusão: há financiamento, mas não há financiamento. Ou por outras palavras, dá-se com uma mão e tira-se com a outra.

terça-feira, 16 de março de 2010

O (des)equilíbrio do futsal feminino em Portugal e a sua (im)potência.

Hoje proponho um olhar mais atento ao futsal feminino em Portugal. De forma breve, veremos a realidade de cada Associação de Futebol no contexto desportivo do país e apesar da minha breve reflexão final, fique o leitor com o dever de após o que vai ler, fazer a sua própria auto-reflexão/análise. Uma coisa é certa: esta abordagem dá “pano p’ra mangas”.

Na AF Algarve, o Padernense (actual campeão) em 15 jogos alcançou 14 vitórias e um empate, sagrando-se campeão distrital com uma diferença de 15 pontos ao 2º classificado. 7 equipas participaram no Campeonato. Na AF Aveiro, Vilamaiorense e Nova Semente disputam o título entre elas, estando por agora separadas por um ponto. No total, participaram no Campeonato (dividido por duas zonas) 19 equipas. Na AF Braga disputam a competição 16 equipas, entre as quais “apenas” SC Maria da Fonte e FC Vermoim aspiram ao título. Actualmente o Maria da Fonte leva 3 pontos de vantagem sobre o 2º classificado (Vermoim) e 14 pontos sobre o 3º classificado (Vitória SC de Guimarães). Na AF Bragança, o Pioneiros de Bragança tem actualmente 9 pontos de vantagem sobre a 2ª classificada – AR Santo Cristo. Disputam o campeonato 7 equipas. Na nossa AF Castelo Branco, disputam o Campeonato 5 equipas, entre as quais a AD Estação assume o favoritismo, com os resultados que conhecemos e o desequilíbrio que se reconhece. Na AF Coimbra, o Vilaverdense, actual detentor do título distrital, é a principal candidata a nova conquista. Em 17 jogos, soma 49 pontos, mais 6 que o Prodeco-CS Covões (2º classificado) e 13 sobre a 3ª classificada – C. Desportivo Ourentã. Participam na prova 11 equipas. Na AF Évora, entre as 9 participantes, Juventude de Évora e Casa do Benfica de Évora são as mais fortes candidatas à conquista do título distrital. Na AF Leiria, a actual campeã distrital – Golpilheira, tem 4 pontos de vantagem sobre a sua mais séria concorrente – Caranguejeira. 10 equipas disputam a Divisão de Honra e 21 disputam a 1ª Divisão (dividida em duas zonas). No total são 31 as equipas séniores de futsal feminino neste Distrito, com “apenas” duas a lutar pela participação na Taça Nacional. Na AF Lisboa, 3 são as Divisões, num total de 34 equipas séniores (Associação com maior número de equipas séniores de futsal feminino). Na 1ª Divisão (12 equipas), duas equipas aspiram ao título. A Quinta dos Lombos (actual campeã distrital) está em 2º lugar e tem o SL Benfica com 9 pontos de vantagem, sendo expectável que a actual campeã deixe de o ser. Na AF Porto, a 2ª Divisão tem 16 equipas e a 1ª Divisão 13. No total são 29 equipas séniores de futsal feminino. Entre todas, a actual Campeã Nacional de Futsal Feminino (Restauradores Avintenses) sagrou-se campeã distrital a 3 jornadas do fim, contando por vitórias os 21 jogos realizados até ao momento, levando 11 pontos de vantagem sobre a 2ª classificada – Escola de Gondomar. Na AF Santarém, a 2ª Divisão tem 6 equipas e a 1ª Divisão tem 10 equipas, sendo que destas, apenas 2 lutaram pelo título, cabendo o troféu ao Riachense, com apenas 1 ponto de vantagem sobre a anterior detentora do título – Centro de Estudos de Fátima. Provavelmente, este foi o Campeonato Distrital Sénior Feminino mais equilibrado de Portugal. Restrito a duas equipas candidatas ao título, mas equilibrado (!). Na AF Setúbal, 8 equipas disputam o Campeonato mas a vencedora terá um nome: Portugal Cultura e Recreio. A equipa do Seixal tem 6 pontos de vantagem sobre a sua principal adversária: as Águias de São Gabriel. Na AF Viana do Castelo, participam no Campeonato 7 equipas, de entre as quais sobressai a única que ainda não perdeu: Castanheira, que em 1º lugar tem 7 pontos de vantagem sobre a 2ª classificada, Clube Soutelense. Na AF Vila Real, 11 equipas participam no Campeonato, sendo que apenas três se afiguram como reais candidatas ao título: Alves Roçadas (46 pts e única equipa invicta após 18 jornadas), Flaviense (43 pts) e Escola Diogo Cão (41 pts mas mais um jogo). Na AF Viseu, 11 equipas disputam o Campeonato que o Unidos da Estação já venceu, somando 54 pontos, resultado de 18 vitórias em outros tantos jogos realizados, distanciando-se 12 pontos do 2º classificado. No arquipélago, na AF Angra do Heroísmo 8 equipas disputam a competição, das quais o Posto Santo se destaca em 1º lugar. Na AF de Ponta Delgada, apenas 3 equipas militam na competição, sendo que o Santa Clara e o Maia Clube Açores se destacam. Na AF da Guarda, Beja, Portalegre e Madeira, o Futsal Sénior Feminino é simples: não existem quadros competitivos!

Resumindo (e concluindo): existem em Portugal 232 (duzentas e trinta e duas) equipas Séniores de Futsal Feminino, o que significa que estaremos a falar de aproximadamente 3.000 (três mil) atletas séniores federadas inscritas na FPF. E digo aproximadamente pois este número é superior, se a ele acrescentarmos ainda as atletas de Futsal Feminino Júnior. Apesar do que aqui vos apresento retiro de forma muito sucinta duas conclusões: 1ª: há “força humana e potência quantitativa” para criar o Campeonato Nacional Sénior de Futsal Feminino, e tal qual como diz Carlos Godinho, fazendo alusão a um poema brasileiro, “vem vamos embora/ esperar não é saber / quem sabe faz a hora / não espera acontecer”; 2ª: apesar de muitas equipas, o desequilíbrio ao nível da qualidade, desempenho e rendimento é evidente em praticamente todos os distritos, mas mais importante que reconhecer as evidências é reflectir para inverter essas tendências.

REFERÊNCIAS:

  1. Citando Carlos Godinho (Director do departamento de futebol e formação da FPF), “até que a UEFA dê um sinal no sentido da criação de uma competição europeia feminina não estou a ver condições para que a Selecção Nacional de Futsal Feminino volte à competição. É pena mas é a realidade.”

sexta-feira, 12 de março de 2010

Relação desporto escolar – desporto federado

As divergências entre o desporto na escola e o desporto no clube reflectem a desarmonia e descoordenação entre dois sistemas que embora devam seguir vias diferentes, concorrem para o mesmo objectivo – o desenvolvimento do desporto nacional (Teixeira, 2007). Na mesma linha de pensamento, Bento (1991), citado por Silva (2006), refere que não há um desporto pedagógico, puro e educativo na escola e outro não pedagógico, impuro e não educativo no clube; não há um desporto bom que se deve escolher e um desporto mau que se deve rejeitar; são impróprias a dicotomia e a oposição entre clube e escola, entre professor e treinador, entre treino e educação. Na mesma linha de pensamento, Constantino (1996) citado por Silva (2006), refere que a escola e o clube são, apenas, dois momentos de um mesmo objectivo e de uma mesma função. Em suma, cabe a todas as entidades fazer um esforço na mobilização e coordenação dos recursos que lhe são possíveis, no sentido de remover os obstáculos, tendentes a limitar as condições de acesso, das crianças e jovens, ao Desporto Escolar (Silva, 2006). O Desporto Escolar deve promover um lugar de encontro entre a Escola e a comunidade local, de forma a permitir a participação de todos os parceiros sociais no desenvolvimento das suas actividades (Carvalho, 1987, citado por Silva, 2006). Pensamos assim ser importante o Desporto Escolar estabelecer e manter protocolos de colaboração com clubes, federações, autarquias e entidades públicas ou privadas, no sentido de promover e divulgar as suas actividades, convidando a comunidade envolvente a fazer parte dos projectos de uma escola e/ou Agrupamento. Pinto (2003) refere que a Escola não deve disputar o espaço do Desporto Federado porque não prossegue os mesmos objectivos. A base de igualdade em que devem assentar as relações entre o sistema desportivo e o sistema educativo não pode ser configurada, unicamente, num quadro de melhoria da qualidade da prática dos alunos, já que a Escola não reclama a tarefa de formar "campeões". Compete, no universo desportivo português, aos clubes e federações a tarefa de especializar os praticantes, assim como compete, no universo educativo português, a tarefa de proporcionar aos praticantes a prática regular de actividades físicas desportivas orientadas, sem restrição de modalidade. Entendamos assim que existe complementaridade entre o desporto praticado na escola e o desporto praticado fora desta – federado. A problemática, nesta relação, não está tanto na aceitação de um compromisso entre as duas instituições (já que ambos reconhecem essa inevitabilidade), mas está centrada nas funções que cada uma deve assumir no processo de preparação desportiva da criança e do jovem (Silva, 2006). O desporto na escola, seja qual for o seu modelo organizacional, não pode ignorar o movimento federado sob pena de desenvolver um desporto sem sentido (Teixeira, 2007). Deve o Desporto Escolar ser o espaço potenciador e contributivo para o aluno demonstrar capacidades e “talento” para, a nível do clube ou federação, entrar na elite desportiva. Podendo coabitar num espaço comum (a prática de actividade física regular e orientada), o Desporto Escolar e o desporto federado têm, na sua essência, preocupações distintas. É necessária uma efectiva política nacional para o Desporto Escolar, não estando dependente de variáveis circunstanciais ou de verbas disponibilizadas pelo Estado. Precisamos de orientações integradoras de desenvolvimento desportivo concreto, que articuladas ao mais alto nível com entidades públicas ou privadas, desenvolvam o plano desportivo nacional. A diferença entre os dois reside na missão: o Desporto Federado tem como missão o rendimento, o espectáculo e o profissionalismo. O Desporto Escolar deve ter uma missão de educação, generalização, recreação e saúde.

terça-feira, 2 de março de 2010

O futebol e as apostas online

As casas de apostas online, nomeadamente as dedicadas a eventos desportivos, são hoje comuns, conhecidas e frequentemente utilizadas por uma grande maioria da população portuguesa e europeia. O que antigamente se fazia em papel e através de cruzes (totobola), agora faz-se online e ao vivo (com os jogos a decorrer), apostando euros nas vitórias, empates ou derrotas, de uma quase interminável lista de eventos desportivos disponíveis aos apostadores.

A Liga Portuguesa de Futebol Profissional organizou dia 10 de Fevereiro uma conferência sobre as apostas desportivas online, um mercado em expansão mas ainda sem enquadramento legal em Portugal. Neste debate foi abordada a forma como outros países estão a legislar esta matéria, bem como os benefícios de uma regulamentação para este sector.

Em Espanha, o monopólio do estado nos tradicionais jogos de lotarias e das conhecidas “quinelas” gera receitas para o estado de aproximadamente 20 milhões de euros por ano enquanto o sector privado que tem em seu poder a exploração de bingos, casinos, máquinas de diversão e restantes apostas contribui com impostos na ordem dos 2 milhões de euros. Estes valores seriam irrisórios se existisse uma regulamentação para as apostas online que movimentam em Espanha qualquer coisa como 650 milhões de Euros anuais. A Comunidade de Madrid estabeleceu algumas normas para a regulamentação deste mercado mas tem tido como principal entrave o estabelecimento de uma ligação entre a origem do apostador e da casa de apostas. Ainda assim em impostos cobrados em apostas offline a Comunidade de Madrid facturou 11 milhões de Euros no último ano.

Não é nova a abordagem do governo francês ao mundo das apostas desportivas online. Desde de 2006 que o assunto é tema de debate muito devido ao crescimento deste negócio estando iminente a aprovação de uma proposta final que se espera que já esteja em vigor quando se iniciar o Campeonato do Mundo de Futebol. Em traços gerais serão concedidas licenças de 5 anos aos operadores que poderão ser alvo de ajustes.

Durante o debate foi colocada uma questão sobre o envolvimento da UEFA na regulamentação das apostas online onde se ficou a saber que apesar de haver abertura da parte do organismo máximo do futebol europeu não existe neste momento qualquer envolvimento directo. Ficou ainda a saber-se que existem ferramentas online e organismos médicos que ajudam os jogadores compulsivos e que são pagos pelas casas de apostas desportivas a par do que acontece nos EUA onde 2,5 % dos lucros das casas de apostas são canalizados para uma linha de ajuda. Para José Angel Sanchez (director geral do Real Madrid), a importância das casas de apostas no desenvolvimento do desporto é essencial pois estas investem por ano em publicidade directa nas equipas cerca de 300 milhões de euros e 1.000 milhões de Euros em eventos de marketing, para além de que proporcionam uma maior interactividade entre os vários intervenientes, jogadores, adeptos e organizações.

Para Hermínio Loureiro, apesar de Portugal não ser o único país que se encontra num vazio legal no que em relação à regulamentação das apostas online diz respeito, não se compreende a resistência da Santa Casa em não querer que tal aconteça já que no entender do presidente da liga de clubes as ofertas feitas quer pela Santa Casa quer pelas empresas de apostas online são bem diferentes não fazendo umas concorrência às outras. Hermínio Loureiro disse ainda que não à razão para que os clubes se vejam privados de receitas de imagem por não existir uma regulamentação para o sector das apostas desportivas. Segundo o presidente da liga de clubes, uma indústria que dá 6,5 mil milhões de euros em 2008 e que tem uma previsão de quase duplicar esse valor em 2011 não pode ser desperdiçada. Laurentino Dias (Secretário de Estado do desporto em Portugal) afirmou a este propósito que o estado português vai continuar interessado na regulamentação das apostas desportivas mas que vai reflectir esperando também por directivas da comunidade salientando que o histórico de jogos sociais em Portugal não pode ser esquecido pois segundo o secretário de estado ele sempre satisfez as necessidades do público português quer em termos de oferta de serviços quer no apoio a causas sociais.

REFERÊNCIAS:

  1. Actualmente, os jogos sociais que mais receitas originam são jogos online, onde estão incluídas as apostas desportivas online. A nossa Liga de Futebol já foi Bwin e o estado nada ganhou com isso, apenas a Liga de clubes.
  2. Se as casas de apostas online estiverem “registadas” em Portugal, a legislação em vigor implica o pagamento de contribuições ao estado, e se essas contribuições forem de acordo com as receitas, o estado poderia ter nestes “jogos sociais” uma interessante fonte de receita.
  3. Artigo referenciado em futebolfinance.com.