sexta-feira, 23 de abril de 2010

Rumo ao Futuro

Em entrevista “aberta”, o seleccionador nacional de futebol Carlos Queiroz revelou o projecto que lhe tem ocupado a mente e os dias, neste seu regresso à Federação. O regresso não se tem traduzido apenas pelo cargo de Treinador da selecção A. Desde que chegou, Queiroz elaborou um documento (menos mediático e conhecido) onde propôs a Gilberto Madaíl que a selecção passe a ser vista com a mesma perspectiva e preocupação de um clube de top. O projecto chama-se “Rumo ao Futuro” e visa criar as condições para ganhar e tornar as vitórias consistentes. Durante cinco anos (2003 - 2008), Scolari tinha encarado o seu papel de seleccionador concentrando-se apenas na selecção A, tendo as diversas selecções funcionado como ilhas, sem interligação e partilha. Era importante ordenar e dirigir todo o projecto de selecção e de detecção de talentos de uma forma integrada. Para Queiroz, o jogador é o centro de todo o plano e dos programas que visam melhorar a qualidade do jogo e o rendimento – um jogo de jogadores e para os jogadores. o projecto estabelece duas prioridades: a inquestionável e inegociável Selecção A e a identificação de um grupo de elite de jogadores. a criação deste grupo de elite de talentos foi a solução encontrada para garantir “sobrevivência” à selecção A. Queiroz refere que quando a base de sustentação são os clubes e estes não chegam, a proposta é identificar um grupo de elite de talentos, formar e preparar esse grupo para depois entrarem no circuito da selecção A, pois a selecção A deve ser alimentada através da formação. O projecto é um plano estratégico de desenvolvimento, no qual o programa informático em que se desenvolve o projecto permite perceber que um jovem com potencial e que tenha nascido, por exemplo, em 1993, irá poder participar no Europeu de sub 17 em 2009/10, no Europeu de sub 19 de 2019/11, no Mundial de sub 20 e/ou nos Jogos Olímpicos de 2011/12 e no Mundial sénior de 2014 (Brasil). Em resumo, os jogadores divididos em quatro grupos, com cada um destes níveis a dispor de um “x” número de jogadores inseridos numa matriz, serão avaliados com uma frequência previamente estabelecida (mês a mês, e.g.) pela equipa técnica. Esta avaliação permitirá definir quem são e quantos são os guarda-redes, defesas direitos, entre outros, em quem vale a pena apostar. Os treinadores têm de estar permanentemente em contacto com o núcleo central de avaliação, definindo, analisando e dar pareceres sobre quem são os três ou quatro melhores jogadores em cada posição. A qualquer momento se verifica imediatamente quem são os três melhores guarda-redes de 16 ou 17 anos. Da mesma forma, o seleccionador consegue imediatamente perceber, em qualquer um dos níveis, em que posições é que estamos melhores, onde temos mais craques potenciais ou permite dizer (e.g.): na matriz de 16 e 17 anos só aparece um defesa direito, mas há seis defesas esquerdos, ou “descobre-se” que há problemas de centrais nos 15, 16 e 17 anos. Isso significaria (caso nada fosse feito para resolver a situação) que a selecção A iria ter dificuldades na posição no Europeu de 2024. A nível táctico-técnico, Queiroz definiu o ponto de partida no 4.3.3, mantendo uma filosofia comum em todas as idades. Queiroz sublinha que a decisão para não haver mudanças radicais. Até aos sub 17, irá utilizar-se exclusivamente o 4.3.3. Dos sub 17 aos sub 19 treina-se e joga-se tanto com o 4.3.3 como com o 4.4.2 (tanto na variante losango, como com dois trincos e três avançados. Nos sub 20 e sub 21, o sistema passa a ser o 4.2.1.3, com dois pivôs defensivos e um homem atrás dos três avançados, mas a base será sempre o 4.3.3, embora nos treinos se introduzam outras opções, que poderão estabilizar em função das características dos jogadores disponíveis. Com este projecto do presente, a pensar no futuro, permite a Queiroz dizer: "se o presidente disser que não quer gastar dinheiro com a ida ao Europeu de sub 19, nós vamos poder responder: "não há problema, você só está a danificar 40 e tal por cento dos jogadores da equipa de 2014. Quando sabemos que no mundial de sub 20 vão estar jogadores nascidos em 91 e 92, também sabemos que eles vão constituir 30 por cento da selecção de 2013/2014".

REFERÊNCIAS:
1. Domingo, no Estádio Cidade de Coimbra ficarem bem perceptíveis 3 pormaiores: o porquê de o Benfica ser primeiro (quando o colectivo é forte e as individualidades desequilibram a vitória fica pertíssimo, mesmo não jogando sempre bem e bonito); o porquê da cobiça ao treinador André Villas Boas (a Académica é muito bem organizada, muito bem estruturada e uma equipa muito rigorosa táctico-estrategicamente, que me deixa surpreendido pela classificação que ocupa) e o talismã deste título (ainda não conquistado) ser Weldon em detrimento de Mantorras no último campeonato conquistado.
2. A entrevista referenciada neste artigo foi concedida ao Jornal Público, em Março de 2010.

Os “santos da casa” e os “milagres”

Vemos por essa Europa fora treinadores, equipas técnicas, atletas e demais intervenientes no fenómeno desportivo relacionado com o futebol e o futsal de nacionalidades diferentes do país onde trabalham. Em Portugal, se a memória não me atraiçoa, apenas duas equipas da Liga Sagres não são comandadas por técnicos portugueses – Marítimo e Leixões. Os demais 14 clubes são orientados por “gente da nossa terra”. Quando os resultados não acompanham as pretensões, facilmente (e naturalmente) se aponta o dedo a quem comanda.

Na nossa vizinha Espanha, após o rescaldo de uma derrota que demonstrou a (enorme) superioridade do Barcelona relativamente ao Real Madrid. Naturalmente, Manuel Pellegrini, não sendo espanhol e muito menos da casa, não faz milagres. Guardiola, santo da casa, vai fazendo “milagres” e que maravilha de “milagres”. Para Madrid, fala-se de “santos” que orientem aqueles “deuses galácticos” do futebol mundial. Fala-se em José Mourinho, “nosso santo”, e ou muito me engano ou acredito mesmo que não sendo da casa, em Madrid iria fazer milagres. O futebol do Barcelona não se discute. E não se trata de saber se Lionel Messi é melhor do que Cristiano Ronaldo. Trata-se de concluir que o Barcelona é muito melhor do que o Real Madrid e de prestar tributo a uma equipa que está pronta a ganhar a I Liga e a Champions, tal qual como fez em 2009. Superior qualidade de um jovem treinador chamado Pep Guardiola - compadre de Luís Figo - que muitos já comparam a Johan Cruyff pelo estilo de liderança, pelo tom de voz, pela magreza do corpo, e, sobretudo, pela sabedoria. Em Camp Nou, estádio do Barça, sempre que há jogo pode ler-se em catalão numa das maiores bancadas “més que un club” [mais do que um clube]. Apetece dizer que Guardiola é “més que un entrenador” [mais do que um treinador]. O Barcelona não ganhou apenas um jogo na casa do eterno rival – Real Madrid. O Barça fez história porque nunca tinha ganho duas vezes consecutivas no Santiago Bernabéu (e se lhe juntarmos o inesquecível 6-2 da última época, mais impressionante se torna). Não basta ao Real ter Cristiano, Higuain e os demais intervenientes. Com 300 milhões de euros investidos esta época (!), o clube está fora da Champions, da Taça do Rei e vai manter a esperança pela Liga Espanhola, que dificilmente o Barça deixará escapar. Para o Real Madrid, o treinador também tem que ser “mais que um treinador”. Precisa o clube de alguém como o nosso Mourinho para estabilizar o clube, o plantel, os jogadores, a equipa, os adeptos, sócios, simpatizantes e o mundo do futebol.

REFERÊNCIAS:

1. Jesus, o Jorge, é da casa e não estando quase a fazer um milagre, vai levando o Benfica ao ambicionado objectivo – o título de campeão nacional.

2. Jesualdo Ferreira foi santo da casa e milagreiro durante 4 épocas mas arrisco a dizer que no final desta época vai procurar outra “freguesia para pregar”.

3. Paulo Bento já era, Carlos Carvalhal está a caminho e para bem do Sporting, a contratação do próximo treinador deverá ser um português, caso contrário, adaptação, conhecimento e rendimento vão demorar o tempo necessário para os outros adversários se distanciarem na luta pelo próximo título de campeão.

terça-feira, 6 de abril de 2010

O (des)complicómetro ensino da tomada de decisão

Sendo o jogo (de futebol ou futsal) uma actividade com carácter de oposição e cooperação significa que necessita de organização (colectiva, sectorial e individual). A toda a dimensão da organização está subjacente a dimensão táctica, que segundo Maças e Brito (sd), deve assumir a preocupação dominante no ensino do jogo, onde a capacidade de observação, análise e interpretação das situações de jogo e acima de tudo a capacidade de decisão, devem orientar os pressupostos fundamentais da aprendizagem do jogo. Querem os autores sublinhar que mais que ensinar a executar, importa ensinar a observar (ler) o jogo e ensinar a decidir.
O “complicómetro” no ensino da tomada de decisão liga-se quando no processo de formação, esta preocupação simplesmente não existe. O “complicómetro” desliga-se se o inverso for real e verdadeira preocupação. Maças e Brito (sd) referem que “a competência base de todo este processo de aprendizagem está centrada na capacidade de decisão que é necessário promover nos jogadores”. Pode parecer simplesmente que o importante é decidir, mas fundamental é decidir em função de um conjunto de regras da organização estrutural e funcional do jogo, determinadas pela ideia e concepção de jogo do treinador. Ou seja, o “descomplicómetro” é decidir em função de um contexto específico, neste caso, um jogo de futebol. E porque logo no futebol de formação o apelo à capacidade de decisão dos seus intervenientes é uma constante, as actividades de preparação dos atletas devem incidir no ensino das execuções motoras (técnicas e tácticas contextuais) em contexto de decisão específico. Cada vez mais continua a parecer-me incorrecto a sistemática abordagem às dimensões do jogo de forma isolada. Cada vez mais autores têm contribuído para inverter esta tendência, apelando à necessidade de centrar a nossa atenção no conhecimento do jogo (dimensão táctica) e da preponderância do ensino da tomada de decisão no contexto específico das variáveis estruturantes da lógica organizacional dos jogos desportivos colectivos (Dietrich (1978); Queiroz (1986); Garganta (1998); Garganta e Pinto (1998); Silveira Ramos (2002), entre outros. As dificuldades, mais que em perceber e aceitar como importante está em operacionalizar através das metodologias utilizadas. Actualmente, muitos treinadores o conseguem operacionalizar. Actualmente, o treino e o treinador têm mais qualidade e isso reflecte-se no futebol de formação, com equipas visivelmente organizadas e com princípios colectivos e individuais que, à uns anos a esta parte, eram inexistentes em algumas equipas. A diferença está em quem planifica e sistematiza, existindo agora um maior rigor e especificidade na construção e aplicação dos exercícios para o ensino do jogo como um todo, mais importante que a soma isolada das suas partes. Agora, que esta preocupação já existe, devem os treinadores deixar de ser o “comando” dos “jogadores” durante o jogo (vai por ali, vem por aqui, passa, remata, cruza, chuta, salta – entre tantos outros feedback’s) para serem o “comando” aquando da planificação. Como? Promovendo e implementando exercícios que levem à tomada de decisão única e exclusivamente individual por parte do jogador, independentemente da idade/escalão/equipa/competição/clube. A preocupação deve recair nas tarefas de decisão. Thorpe (1992), citado por Maças e Brito (sd) refere a este propósito que “é possível haver um bom nível de jogo com técnicas fracas, desde que a abordagem à modalidade realce em primeiro lugar o conhecimento táctico, sendo os pressupostos técnicos considerados num plano secundário para encontrar uma solução / resposta ao problema táctico identificado”, isto é, fraca qualidade técnica com forte capacidade de decisão no contexto específico do jogo resulta num rendimento de qualidade. Torna-se por isso fundamental que, desde os primeiros momentos de aprendizagem do jogo, os jogadores da formação assimilem um conjunto de princípios tácticos para melhor responderem às solicitações que o jogo lhes coloca. Vikers (2000), citado pelos mesmos autores, confirma esta importância ao destacar que “os exercícios baseados na tomada de decisão promovem, a longo prazo, melhores resultados na capacidade de adaptação às exigências do jogo. Já no curto prazo, o ensino tradicional centrado nos comportamentos estereotipados (técnicas) apresentam vantagens aparentes, numa fase inicial da aprendizagem, não sendo confirmadas, mais tarde, na capacidade de interpretação do jogo”. É assim competência do treinador dispor de várias estratégias para implementar os exercícios de treino orientados para a capacidade de decisão dos jogadores, colocando os jogadores em situações reais de jogo para aprenderem a escolher as decisões que devem tomar num contexto concreto e específico de competição. Como refere Maças e Brito (sd), “o importante é definir os aspectos críticos da decisão a tomar para que os jogadores possam antecipar uma resposta em tais condições”.

REFERÊNCIAS:
1. Bons pensamentos, boas dúvidas, boas planificações/sistematizações, bons treinos, boas decisões!