terça-feira, 15 de dezembro de 2009

No futebol, há ganhar e ganhar, perder e empatar

Jogámos bem e ganhámos. Jogámos mal e ganhámos. O que mais interessou – ganhámos. Este discurso é o comum na classe, porque jogando bem ou mal, o que interessa mesmo é vencer. Ao invés, perder é sempre perder e parece que a justificação é sempre a mesma, independentemente de se jogar bem ou mal, a derrota leva-nos sempre para uma prestação menos positiva, com erros, com desconcentrações e rendimentos individuais e colectivos fracos. Entre estes dois resultados encontra-se o empate que, normalmente, deixa a satisfação repartida, com o sentimento de que com maior ambição, podia ter ganho. Mas o comum pensa: “se tapar a cabeça destapo os pés”, fico-me por aqui. É no sentido da ambição e da qualidade em vencer, renegando ao empate e fazendo da derrota educação colectiva para melhorar a sensibilidade do plantel que vos trago uma referência na classe dos treinadores mundiais. Pepe Guardiola do Barcelona. “Guardiola alcançou a perfeição.” A frase, depois da final da Liga dos Campeões entre Barcelona e Manchester United (que o Barcelona ganhou e muito bem) é de Johan Cruyff, antigo treinador dos catalães e de Pep Guardiola. Uma prova de elevada consideração do criador do “dream team”, a equipa de sonho, que deu os “culés” a primeira taça europeia. Josep Guardiola, de 38 anos, não deixa ninguém indiferente: pelo poder de sedução futebolístico que impôs, pelas suas referências culturais, pela justiça da sua análise do futebol e pela sua quase desconhecida simplicidade. Para ele, o factor decisivo é o jogador. “Tenho a sorte de ter estes jogadores maravilhosos, o segredo está no talento deles e no trabalho”, disse Guardiola, ainda dentro do Estádio Olímpico da capital italiana, no rescaldo da alegria do terceiro título da época (o “triplete” como lhe chamam os espanhóis). A 14 de Julho do ano passado, no início da temporada, foi de uma humildade suprema quando proferiu as seguintes palavras: “talvez os jogadores tenham tido pouca sorte por eu ser o treinador, sou jovem, com pouca experiência, mas tenho muita vontade e vou exigir muito”, disse. Não foi um aviso, mas uma confissão. Para Guardiola, o importante são mesmo os jogadores por isso, durante toda a época desportiva não deu entrevistas. Falou, sem limites de tempo ou tema, nas conferências de imprensa. Para não desviar a atenção de quem a merece: os que jogam. Conhecedor dos segredos de balneário, que foram os seus — em 11 temporadas conseguiu 16 títulos —, baseou a sua relação com a equipa num tripé: dedicação, disciplina e recompensa. Conta quem escreve o que vou lendo, que chega às oito da manhã à cidade desportiva Joan Gamper. E fica como uma criança num parque de diversões. Uma vez, teve que ser a mulher a ir buscá-lo. Já passava das 11 da noite e Pep via e revia vídeos. É obsessivo. Perfeccionista. Estudioso. Imagina e cria novas jogadas. Foi assim no Barcelona “B”, equipa que levou à vitória na terceira divisão. No seu segundo ano como treinador, conseguiu a Liga espanhola, a Taça do Rei e a Liga dos Campeões. São poucos, mas tal como Trapattoni, Ancelotti, Cruyff e Frank Rijkaard conquistou a “Champions” como jogador e treinador: em 1992 em Wembley, em 2009, em Roma. Todos os dias toma o pequeno-almoço e almoça com os jogadores. A bola é o centro da vida. Há elevadas multas para quem se atrasa aos treinos. A disciplina não é um castigo, mas um método. Evita as intermináveis concentrações antes dos jogos. É a recompensa da confiança. Depois, há o olhar diferente do campo. A proximidade com Andrés Iniesta, tal como ele esforçado, abnegado e discreto. E, como ele, filho de um pedreiro, formado na Masia, a escola de futebolistas do clube. A cumplicidade, na rebeldia e no gosto pelo inesperado, com Lionel Messi. Como ele criativo. Guardiola não se esgota no futebol. Ainda jogador do Barcelona participou em recitais de poesia na Catalunha. Aspectos de um invulgar homem da bola. Um líder que evita a polémica, sempre elegante com o rival e que tem por bandeira o sentido comum. Um treinador culto, justo e de referência.


REFERÊNCIAS:

  1. A “história” de Guardiola teve excertos retirados do jornal desportivo espanhol “marca.com”.
  2. Escrevi neste espaço, na edição de 14 de Setembro de 2009, o seguinte: “vi no Sporting-Paços uma equipa pouco móvel, dinâmica e com dificuldade em chegar ao golo da vitória, que apesar de tudo, é merecido. Tenho dúvidas se até ao final da época, não haverá mudanças. Parece tudo muito rígido e pouco natural, provavelmente resultante de um desgaste de muito tempo sem ganhar competições. Ganhar alimenta tudo, não ganhar alimenta a descrença, a desconfiança e a dúvida”. Passados quase 2 meses, não me enganei. Mais uma vez, o normal: mudar um custa menos que mudar 4 ou 5. Quem dá a cara e o corpo às balas durante o processo, no final do mesmo ainda leva o tiro à queima-roupa. Lembro-me por exemplo de Caicedo. A semana passada falhou um “penalti” a segundos do fim do jogo e esta semana, conseguiu falhar um “penalti” a 2 metros da linha de golo. A este jogador profissional de futebol nada acontece? Falo neste e podia falar em muitos outros. A realidade é que no plantel do Sporting CP abunda falta de qualidade. Diz o povo: “sem ovos…”. E arrisco a dizer, que venha quem vier, não virá fazer milagres a nível do desempenho colectivo e do resultado. Quem vier, primeiro terá que “formatar” a desconfiança e a ansiedade e “instalar” a auto-confiança, a ambição, o valor individual e o rendimento colectivo com vitórias. E não terá tarefa nada fácil.

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